terça-feira, 2 de junho de 2009

Pesquisa sobre a história da Psicologia na Bahia e no Brasil

A História da Psicologia no Brasil é baseada numa “abordagem social”, possibilitando a apreensão do diálogo entre a Psicologia e a formação social, considerando o conhecimento como produto fundamentalmente histórico e social.

Buscou – se compreender como a Psicologia conquistou seu espaço próprio como área de conhecimento e campo de práticas no Brasil, atingindo sua autonomia e reconhecimento como ciência específica, em conseqüência da produção de idéias e práticas psicológicas no interior de outras áreas do saber. Assim, o foco desta obra incide de maneira mais privilegiada no período que vai da última década do século XIX à terceira década do século XX; período de grandes transformações sociais, econômicas e políticas no Brasil e, particularmente, de significativa produção cultural.

Algumas informações sobre o pensamento psicológico produzido no período colonial podiam ser encontradas no artigo de Samuel Pfromm Netto, intitulado “A Psicologia do Brasil”. Entretanto, somente a pesquisa pioneira realizada por Marina Massimi, concluída em 1984, trouxe extenso e minucioso estudo sobre essa temática.

São encontradas referências sobre emoções e pratica de seu controle ou “cura”, geralmente em sermões de edificação ético-religiosa, de autores como Padre Vieira, entre outros. Tais obras apontam para analises de âmbito comportamental e tratam de assuntos como: amor, saudade, vaidade, ódio e tristeza. Sob diferentes enfoques, escreveram sobre o “conhecimento de si”, onde guarda íntima relação com questões posteriormente abordadas pela Psicologia, sendo o auto conhecimento assunto que permanece como objetivo da ciência psicológica e de sua pratica, enquanto a preocupação com a “objetivação” da experiência interior” constitui ainda hoje uma questão fundamental para a pesquisa psicológica.

As sensações e os sentidos foram abordados principalmente no século XVIII e tiveram relação com o desenvolvimento das idéias empiristas. A pesquisa de Massini revela que foram freqüentes e recordantes as preocupações com a criança e seu processo educativo, tendo sido encontrados os seguintes temas: formação de personalidade; desenvolvimento da criança; controle e manipulação do comportamento; aprendizagem; influência dos pais, etc. O papel da mulher na sociedade foi também abordado relacionado á gravidez, amamentação, comportamento maternal, sexualidade e seus desvios.

Várias obras estudadas por Massini abordam a problemática do trabalho, principalmente sob a perspectiva moral, social e psicológica. È recorrente a condenação do ócio, especialmente nas suas relações com o vício, ao qual o trabalho se contrapõe. Nessa questão, o indígena é especialmente considerado, sendo visto como preguiçoso e ocioso e, por isso, propenso ao pecado; nessa perspectiva, o trabalho é visto como meio de cura e instrumento para a sua “civilização”. São discutidas questões sobre adaptação ao trabalho, importância do trabalho para a criança, controle sobre a atividade produtiva e trabalho como instrumento de controle.

O tema “adaptação ao ambiente” aborda a questão do “caráter brasileiro”, o que pode prenunciar elementos relacionados à Psicologia Social. Para vários autores, o ambiente é considerado como um dos fatores do comportamento.

A aplicação de conhecimentos psicológicos à Medicina é tema tratado já no final do período colonial por Mello Franco, o qual aborda questões relativas a teorias sobre os nervos e o sistema nervoso, psicopatologia, temperamentos, terapêuticas entre outras, a concepção a respeito da sexualidade como determinante da loucura.

O pensamento psicológico produzido no período colonial é de extrema importância para a compreensão da construção histórica da Psicologia no Brasil, pois explicita suas mais antigas raízes, muitas das quais referentes a assuntos que permaneceram em pauta, às vezes com profundas mudanças nas formas de abordagem e outras vezes mantendo, ao longo do tempo.

Preocupações com o processo educativo na colônia permaneceram no século XIX, guardando muitas características do período precedente, porém, assumindo um caráter mais sistemático, seja pela gradativa vinculação institucional, seja pela maior elaboração no trato de seus conteúdos.

As faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia foram criadas em 1832, tendo sua origem nas Cadeiras de Cirurgia, na Bahia, e de Cirurgia e Anatomia, no Rio de janeiro, instaladas em 1808. Nessas Faculdades, como exigência para a conclusão do curso, o aluno deveria defender publicamente uma tese de doutoramento ou inaugural, que lhe daria o titulo de doutor. Grande parte dos trabalhos sobre assuntos psicológicos, nessa época, é proveniente dessas teses, que tratavam de temas relacionados a Psiquiatria, Neurologia, Neuriatria, Medicina Social e Medicina Legal.

No final do século XIX é defendida a tese “Duração dos Atos Psíquicos Elementares”, de Henrique Roxo, considerada por Lourenço Filho, Pessotti e Pfromm Netto como o primeiro trabalho de Psicologia Experimental, baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente, com o uso do “psicômetro de Buccola”.

As transformações históricas por que passou a sociedade brasileira, no seio da qual foi produzido o pensamento psicológico em estudo e o desenvolvimento das idéias psicológicas na Europa, que caminhavam para estabelecimento de sua autonomia, são fatores fundamentais para a compreensão da História da Psicologia no Brasil.

Do ponto de vista global, é possível dizer que a Medicina veio a ser, um importante substrato para o desenvolvimento da Psicologia no Brasil, mantendo uma tradição iniciada no fim do período colonial e ao mesmo tempo a superando. A evolução do pensamento psicológico no interior da Medicina até o século XIX preparou o terreno para que o conhecimento e a prática da Psicologia se desenvolvessem a tal ponto que fizeram delinear-se com maior clareza seus contornos, tendo assim sua definição como campo autônomo de conhecimento e ação, o que veio a se concretizar nas décadas de iniciais do século XX.

A criação de laboratórios de Psicologia nos hospícios das mais importantes evidências desse processo, sendo que estes na condição de instâncias da Psiquiatria vieram a ser relevantes produtores de estudos e pesquisas psicológicos. Esse fato demonstra que a Medicina, produzindo conhecimento psicológico em seu interior, veio a contribuir para que a Psicologia construísse seu próprio espaço.

Por outro lado, percebe-se a importância dada ao conhecimento psicológico como instrumental para a Medicina Legal, a Psiquiatria Forense e a Criminologia. Entretanto, se aí a Psicologia foi considerada por sua contribuição, não se vê, contudo, como a área autônoma em relação à Medicina, particularmente na sua dimensão prática.

Podemos dizer, portanto, que a Psicologia produzida no interior da Medicina o foi essencialmente sob o enfoque de ciência auxiliar a Psiquiatria; onde, nesse contexto, já ficava reconhecida, pelo menos em tese, sua condição de ciência, e consequentemente sua autonomia. Não se pode afirmar que a conquista de autonomia da Psicologia em relação à Medicina tenha ocorrido por um projeto estabelecido “a priori”; antes, foi seu próprio desenvolvimento e sua adequação às necessidades geradas pelos problemas sociais brasileiros que estabeleceram as condições para que isso ocorresse.

A educação foi, sobretudo nas décadas iniciais do século XX, fundamental para o desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Foi ela a principal base sobre a qual a Psicologia emergiu na condição de ciência, tendo sido por seu intermédio que, grande parte, os conhecimentos produzidos na Europa e nos Estados Unidos chegaram ao Brasil e, por suas características, foi no seu interior que mais claramente a Psicologia revelou-se na sua autonomia teórica e prática.

Na Medicina e principalmente na Psiquiatria esse processo não foi tão explícito como foi na Educação. Isso pode ser explicado, provavelmente, pelas naturezas diversas desses campos.

A Educação, como conjunto de práticas sociais que visam á formação dos homens e a Pedagogia, sistematização teórico-prática que busca fundamentar, subsidiar e orientar as ações educativas, não pode ser considerado como ciências específicas. Buscam elas as ciências afins que possam dar-lhes base de sustentação, como é o caso da Psicologia, considerada “a priori” como ciência autônoma que tem grande potencial de contribuição, o que lhe permite mostra-se plenamente como área específica de saber.

Com a Psiquiatria, no entanto o tipo de relação que se estabelece é de natureza diversa. São ambas, Psiquiatria e Psicologia, não apenas campos de saber e de prática, mas também seus objetos de estudo e de intervenção não são, até hoje, claramente definidos. Entretanto pode-se perceber já nesse período a definição de contornos mais nítidos entre o que viria a ser estabelecido como áreas da Psiquiatria e da Psicologia.

Outro fato a ser salientado é que a Educação trouxe, por meio das Escolas Normais, dos Institutos, de seus laboratórios e de seus intelectuais, uma produção a par com o que se realizava nos grandes centros culturais.

Esses fatos guardam íntima relação com o escolanovismo que, nesse momento, se estabelecia com força no país e viria a tornar-se pensamento hegemônico na Educação. As relações entre o escolanovismo e a Psicologia, particularmente no Brasil, são imensas; a Psicologia deveria subsidiar as transformações da escola: as relações entre professor e aluno, o processo de ensino-aprendizagem, a modernização metodológica, a organização das classes, o conhecimento e o respeito ao desenvolvimento da criança, enfim, deveria a Psicologia tornar-se o mais importante braço científico e técnico da nova concepção de Educação.

É possível afirmar que, no interior desse quadro geral, havia iniciativas de natureza diversa, como foram aquelas relacionadas ao Instituto de Psicologia de Recife e as concepções de Educação e Psicologia representadas por Manoel Bonfim e Helena Antipoff.

Em síntese, pode-se dizer que a produção psicológica do período colonial refletia as condições da sociedade na qual inseria não apenas por incorporar seu pensamento dominante, como também seus conflitos. Sobre o pensamento psicológico, sua principal característica é ser tratado no interior de outras áreas do saber, não se vinculando explicitamente a instituições específicas, como viria a ocorrer no período subseqüente.

Das Instituições citadas, tiveram grande importância as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Nessas escolas sobressaem-se especialmente as teses de doutoramento, muitas das quais abordando assuntos de interesse psicológico e consistindo em importantes fontes de produção sobre fenômenos psíquicos do século XX.

Além das Faculdades de Medicina e a elas relacionadas, surgiram os hospícios. A criação dessas instituições começou a ser reivindicada por volta de 1930, principalmente pelos médicos ligados à sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e da Faculdade de Medicina da mesma cidade. Buscava a Medicina o saneamento da cidade, o que significava limpá-las das “sujeiras e imundícies” que infestavam, tanto no plano material quanto social. Nesse panorama fazia-se necessário excluir do convívio social o “louco”, que até então vivia errando pelas ruas ou era simplesmente enclausurado nas Santas Casas de Misericórdia ou prisões.

História da Psicologia na Bahia


O espaço da psicologia na Bahia era ocupado por curiosos, charlatães e profissionais improvisados advindos de outras áreas. A ausência de profissionais especializados em psicologia era grande e a sua necessidade sentida nos hospitais psiquiátricos, nas escolas e na administração pública. Nacionalmente o panorama era semelhante.

Na Bahia, João Ignácio de Mendonça e Isaías Alves de Almeida, professores de psicologia na faculdade de filosofia e pedagogia, respectivamente, foram os primeiros implementadores de conhecimentos sistemáticos de psicologia. O pioneiro de história do curso de psicologia na UFBA foi Quixote. Constitui-se a nível nacional, em 1957 um grupo e um movimento pró regulamentação da profissão de psicólogo.

Uma parceria da cadeira de psiquiatria com o então ISOP/FGV (Instituto de relação e orientação profissional da fundação Getúlio Vargas) propiciou, em 1955 um treinamento, sob a direção do professor Emílio Mira y Lopes. Dessa parceria nasceu o IDOV (Instituto de orientação vocacional), em 1958, sob a direção geral do professor Mira y Lopes. O professor João Mendonça estimulou seus alunos a ocuparem lugar na então equipe da IDOV. E devido a esse incentivo, o IDOV foi constituído por alunos recém-formados dos cursos de filosofia e pedagogia e por alguns profissionais mais experientes, a exemplo as professoras Alice Costa e Cidália Dias Mendes.

De 1963 à1968 houve progressos, estagnações e voltas a respeito da instalação do curso. Finalmente, em 1968 foi criado o curso de psicologia da UFBA, dez anos após ter sido fundado o primeiro curso no Brasil, em São Paulo. Várias hipóteses podem ser levantadas para responder a essa demora, preconceitos e reserva de mercado são alguns deles.

Atualmente o curso de psicologia tem se expandido e diversas faculdades o adotaram. No contexto globalizado desses novos tempos, é preciso ter cuidado com aqueles que comentem atrocidades em “nome da ciência” e que o próprio psicólogo ao constituir sujeitos como objetos de suas práticas não venha a participar, involuntariamente, de formas de dominação. Para concluir, tem pertinência uma parte da entrevista dada pelo professor Milton Santos à revista “Caros Amigos”, da editora Casa Amarela, onde ele fala da posição do intelectual e como, por efeito desta globalização, a ciência colocou-se a serviço do lucro, comandada pelos modismos, dando-se mais valor à moda que ao modo. Com a tecnização da pesquisa e a subordinação desta pelos financiamentos, os riscos do desaparecimento do intelectual público e da liberdade de pensamento em decorrência da privatização do ensino.

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